domingo, 2 de dezembro de 2007

De Quem Por Cá Passou II: Ana Maria Caetano


Da única filha de Marcello Caetano, a “Primeira Dama” emprestada a um Estado Novo reformista, ficaram memórias gratas da passagem por este Liceu.

Completada a instrução primária, Ana Maria entrou para o Liceu Filipa de Lencastre, onde se relevou rebelde e mal comportada para os padrões rígidos da época. Estava constantemente a ser chamada à reitora, por sair da sala antes do toque da campainha e correr escadas abaixo, corredores fora, na ânsia de ser a primeira a chegar à sala de jogos e «ganhar» a mesa de pingue-pongue. A que chegasse primeiro era «dona» da mesa, obrigando as colegas a ficar em fila, à espera que ela se fartasse e as deixasse jogar. A sua companheira de tropelias era Isabel Barahona Fernandes, filha do psiquiatra com quem Marcello repartia a dúvida de saber qual das duas seria a pior. Um dia atiraram uma barata morta para dentro da sala de aulas, quando a professora ia a entrar, provocando o alarido que se pode imaginar.

Ana Maria ia muitas vezes brincar com Isabel para casa dos Barahona Fernandes. A casa era no Hospital Júlio de Matos, de que o psiquiatra era director, o que levava os irmãos, encarregados de a acompanhar à porta, a dizer no gozo que a iam levar ao tratamento. Era uma vivenda isolada, de dois pisos, situada no perímetro do hospital, longe das enfermarias, no rés-do-chão da qual habitava o pianista Vianna da Motta, sogro de Barahona Fernandes.

A agitação constante das duas raparigas não podia dar bom resultado: no 5º ano (actual 9º), Ana Maria chumbou a Ciências e, entre lágrimas e suspiros, pediu à mãe para deixar de ir ao liceu e passar a estudar em casa. Não fora a circunstância de ser rapariga e a brincadeira teria tido outras consequências. Marcello ainda ralhou, mas acabou por concordar, depois de negociar com a filha uma aposta pesada: 500 escudos para dispensar às orais do 7º ano (equivalente ao actual 11º e que na altura era o fim do ensino secundário). O estudo passou a ser orientado por uma professora multidisciplinar, assessorada por «mademoiselle» Roger - que ensinava francês, história e geografia - e uma preceptora inglesa. Ana Maria acabou por ganhar a aposta e perceber, pela primeira vez na vida, o que era isso de estudar.


In: Expresso Revista 23/6/2001.

1 comentário:

João Marchante disse...

Grande trabalho teu este, a bem da memória colectiva. Renovado abraço, ó grande LAS.